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domingo, 8 de junho de 2014

O MOVIMENTO CARISMÁTICO (III)

A “Igreja do amor” ou o homem no lugar de Deus
 
No livro de Huysmans intitulado Là bas, há uma passagem particularmente importante que evoca a igreja carismática de João (contraposta à Igreja hierárquica de Pedro), que florescerá com a vinda do Paráclito e que se chama a “igreja do amor” (em sintonia com a “civilização do amor” de Paulo VI), a “igreja da reconciliação”, a “igreja ecumênica” ou “universal” (em virtude de seu carismatismo): “É um axioma teológico que o espírito de Pedro vive em seus sucessores. Viverá neles, até a expansão auspiciada do Espírito Santo. Então João, – diz o Evangelho – começará seu ministério de amor e viverá na alma dos novos Papas”. Esse texto mostra claramente o laço esotérico que liga a “expansão do Espírito Santo” (conduzido pela “renovação carismática”) e o “ministério de amor” de João. O autor esotérico Salémi enunciava em 1960: “O novo evangelho de João logo será pregado em toda a Terra” (Le message de l’ Apocalypse, p. 293).
 
Estamos no tempo desse “novo evangelho”: “Invoca-se o Apóstolo S. João – escreve Pierre Virion -, discípulo do amor, contra a autoridade de Pedro. É a velha teoria Rosa-Cruz, que profetiza a igreja esotérica [iniciática] de João, superior à igreja exotérica [não iniciática] de Pedro, e cujos tempos apocalípticos parecem ter chegado. A Igreja Romana deve ceder-lhe o posto, deve desaparecer tal como é: ‘Abriu-se ... o ciclo de João’” (Mystère d’iniquité, p. 146).
 
Surge então a pergunta: que significa essa “igreja de João”, a igreja da terceira hora, a igreja da hora do Espírito Santo? A igreja de João já não é Deus em primeiro lugar, mas o homem; não a transcendência, mas a imanência; não a fé, mas o gosto sensível, o prodigioso, os carismas (democraticamente assegurados a todos, graças ao “batismo do Espírito”); não o dogma, mas a “revelação interior”, o subjetivismo, o profetismo, o iluminismo; não o sacramento instituído por Cristo, mas outra espécie de “sacramento” enxertado em uma corrente oculta (assim é o “batismo do Espírito”: uma paródia de sacramento com efusão da “graça diabólica” através de um rito herético); não a Eucaristia-Sacrifício (daqui vem a fúria contra o rito chamado de S. Pio V), mas a eucaristia-festa; não o sacerdócio ministerial, mas o caráter sacerdotal de todo fiel1; não a igreja hierárquica e carismática ao mesmo tempo, mas uma igreja meramente carismática; não o Papa, mas um sínodo paralisador; não os bispos, mas uma colegialidade sufocante; não os párocos, mas as assembléias presbiteriais; não a hierarquia oficial, mas as comissões, comitês, etc., etc., constitutivos de um governo paralelo; não a Igreja Católica Romana, mas uma igreja universal que inclui todos os cultos tributados a qualquer divindade. Em conclusão: o que René Guénon chamaria de “igreja integral”. E esta “igreja integral”, cujo objetivo é destruir por asfixia a igreja hierárquica tradicional, a igreja de Pedro, deve ser o fruto da vinda do Espírito (os Ranaghan diziam: do “retorno” do Espírito), porque é o “Pentecostes” deste “Espírito” que permitirá a João exercer seu “ministério de amor”!
 
Compreendemos agora porque em nossos dias fala-se tanto de amor: “Enganar-se-á o povo em nome do amor, de um amor que não é a caridade teologal, mas cujo nome usurpa. Assim, nunca tínhamos lido tanto nas publicações maçônicas a frase: ‘Amai-vos uns aos outros’. Mas é sempre empregada, em nome de Cristo, contra sua Igreja” (Mystère d’Iniquité, cit., p. 146).
 
Que fazer?
 
Que fazer diante desta cegueira causada pela invasão carismática, caricatura diabólica do Sacramento da Confirmação, chamada de “batismo” com razão, porque marca a passagem do mundo católico ao mundo oculto? São João da Cruz dizia: “[Uma vez cegada a alma] poder-se-á enganar quanto à quantidade ou qualidade, pensando que o que é pouco é muito, e o que é muito, pouco; e quanto à qualidade, considerando o que está em sua imaginação como uma coisa, quando não é senão outra coisa, trocando, como diz Isaías, as trevas pela luz e a luz por trevas, e o amargo por doce e o doce por amargo (5, 20)” (Subida do Monte Carmelo, L. 3, cap. 8).
 
Hoje, mais do que nunca, é necessário insistir no que constitui a verdadeira vida de fé. Continuemos ouvindo S. João da Cruz: “ (...) e assim, estando a alma vestida de fé, o demônio não a perturba, porque com a fé ela está muito amparada – mais do que com todas as demais virtudes – contra o demônio, que é o mais forte e astuto inimigo.
 
Por isso S. Pedro não encontrou maior amparo do que a fé para livrar-se do demônio quando disse: Cui resistite fortes in fide2 (I Petr 5, 9). E para conseguir a graça e a união com o amado, a alma não pode ter melhor túnica e vestimenta interior, como fundamento e princípio das demais virtudes, que esta brancura da fé, porque sem ela, como diz o Apóstolo, é impossível agradar a Deus (Hebr 11, 6), e com ela é impossível também deixar de agradar, pois Ele mesmo diz pelo profeta Oséias: Desponsabo te mihi in fide (Os 2, 20), que quer dizer: “Se queres, alma, unir-se a mim e me desposar, deverás vir interiormente vestida de fé” (Noite passiva do espírito, cap. 21).
 
Recorramos à Santíssima Virgem para que esmague a cabeça daquele que se faz passar pelo Espírito Santo e quer fazer-se adorado em seu lugar. Recitemos por isso o Santo Rosário com todo o ardor de nossa fé, inimiga da “sensibilidade carismática”.
 
PS: Em nossa edição portuguesa, fizemos um resumo do texto original, modificando também um pouco a ordem do mesmo e alguns títulos e fazendo alguns pequenos acréscimos.