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domingo, 22 de junho de 2014

HÁ TRINTA ANOS MORRIA GUSTAVO CORÇÃO

Dom Lourenço Fleichman, OSB

Estava eu pensativo sobre este aniversário, lembrando dos tempos de Gustavo Corção, lembrando dos tempos em que ele fazia parte do meu mundo de criança e de adolescente. Crescemos com esta presença constante em nossas vidas, presença do mestre e amigo dos meus pais, cujos livros, desde os quinze ou dezesseis anos já líamos e debatíamos em casa. A Descoberta do Outro, instigante, como que beliscando o leitor para faze-lo pensar, foi o primeiro, como para tantos dos seus apaixonados leitores. Lições de Abismo também nos dava panos para mangas e discutíamos para saber se o Roualt que José Maria vê diante de sua cama, no momento crucial de sua conversão, era uma visão mística de Nosso Senhor ou apenas uma descrição poética daquele momento. De onde me vinha, aos dezoito anos, a naturalidade com que saía com minha mãe, dirigindo, para levar o Dr. Corção ao centro? - Entre pela rua Direita, meu filho! E eu, que era bom conhecedor do Centro, por ter estudado muitos anos no Colégio São Bento, olhava para minha mãe pedindo socorro... Ah! sim, é a Primeiro de Março, que antes se chamava assim! Hoje, passados trinta anos, fico eu querendo estar com ele novamente, para aproveitar melhor de sua sabedoria e de sua fé.  Não é a mesma coisa para nossos colaboradores que o conhecem apenas por seus escritos. Apesar do tempo, vive ainda em minha memória muitas lembranças marcantes da sua presença.

Mas não se engane, leitor. Não é saudosismo que grita exigindo a volta de Gustavo Corção! Na verdade, a falta que provoca este desejo é um vazio da hora, atual e pesado. O que falta no nosso mundo é a veracidade, a autenticidade da sua inteligência. Onde vamos nós encontrar escritores que manejem a lingua como ele? Pior! Onde vamos encontrar pensadores de verdade? Porque a internet está pululando de imbecis, moedas falsas, cheios de erudição mas vazios de discernimento. E isso vai pesando e nos deixando sem apoio, sem bases, sem mestres. Temos com quem ler, mas não temos com quem conversar, com quem aprender. Vamos aos livros e buscamos nos santos, nos doutores, alimento para nossa inteligência e para a fé. Mas "a fé nos vem pelos ouvidos". E sentimos falta de nos chegarmos junto a um mestre e dizer-lhe: "senhor, poderíamos continuar a ouvir palavras sobre o Reino?"

De que nos serviria um Corção para ficar no armário? Qual a utilidade de um Museu Gustavo Corção? Queremos Gustavo Corção vivo, dentro de nós, espada em punho, saindo pelas ruas da cidade, pelas esquinas do mundo, confundindo os traidores da verdade e os inimigos de Deus. Precisamos de leitores que aprendam a pensar com os primeiros livros do mestre, mas que aprendam sobretudo a discernir o tempo presente com a ajuda de Dois Amores Duas Cidades e O Século do Nada. Aqueles nos servem para o iníco, estes para o fim. Aqueles agradam a todos, estes só agradam aos combatentes. E porque? Porque não basta conhecermos o que está a nossa volta, aqui, neste ano de 2008. É preciso conhecer as causas que levaram a Civilização Católica Ocidental a desaparecer nos escombros de 500 anos de desvios, de erros filosóficos, de erros quanto aos princípios universais, mas que rapidamente se transformaram em colossais monstros políticos que geraram a carnificina, o genocídio do nome católico, a crueldade do comunismo, a religião do deus feito Estado para usurpar o Reino Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Cada católico deve conhecer a doutrina, o catecismo, com a profundidade necessária para conter a avalanche de Vaticano II que arrasta o edifício da fé jogando-o ao chão. Ler Gustavo Corção não é obrigatório para este combate, mas não podemos negar que é de grande valia para os soldados dos últimos tempos. Aqui no site dele, temos procurado publicar dezenas de artigos que nos formem, pelo exemplo, pela reflexão, na defesa da verdade e da fé. Agora estamos prestes a oferecer as primeiras aulas em áudio, onde ouvimos a voz, a ênfase dada a uma ou outra frase, o élan de amor num momento de pura poesia ou de profunda mística.

Devemos a conservação dessas aulas gravadas à Dona Marta Soares dos Santos, que durante anos assistiu às suas aulas com um inseparável gravador. É verdade que o professor não gostava muito da idéia, pois jamais passaria por sua cabeça difundir algo gravado de sua voz. Sempre se corre o risco de uma certa vaidade. Mas ele tolerava a coisa, ciente de que, pela importância do assunto tratado, alguns ausentes poderiam aprender alguma coisa daquela maravilhosa doutrina e receber a graça.

Quanto a nós, pobres de nós, já a terceira geração, os últimos que ainda conheceram e conviveram um pouco com Gustavo Corção, mas já sem a honra de te-lo como um amigo e pai, foi-nos passado o bastão, o labor está agora em nossas mãos. Junto com alguns jovens colaboradores de valor, temos trabalhado nesta missão de manter aceso o bom combate. Contamos com todos os admiradores de Gustavo Corção para que os laços da Comunhão dos Santos, na oração e no sacrifício, nos sustente a cada dia.

domingo, 8 de junho de 2014

O MOVIMENTO CARISMÁTICO (III)

A “Igreja do amor” ou o homem no lugar de Deus
 
No livro de Huysmans intitulado Là bas, há uma passagem particularmente importante que evoca a igreja carismática de João (contraposta à Igreja hierárquica de Pedro), que florescerá com a vinda do Paráclito e que se chama a “igreja do amor” (em sintonia com a “civilização do amor” de Paulo VI), a “igreja da reconciliação”, a “igreja ecumênica” ou “universal” (em virtude de seu carismatismo): “É um axioma teológico que o espírito de Pedro vive em seus sucessores. Viverá neles, até a expansão auspiciada do Espírito Santo. Então João, – diz o Evangelho – começará seu ministério de amor e viverá na alma dos novos Papas”. Esse texto mostra claramente o laço esotérico que liga a “expansão do Espírito Santo” (conduzido pela “renovação carismática”) e o “ministério de amor” de João. O autor esotérico Salémi enunciava em 1960: “O novo evangelho de João logo será pregado em toda a Terra” (Le message de l’ Apocalypse, p. 293).
 
Estamos no tempo desse “novo evangelho”: “Invoca-se o Apóstolo S. João – escreve Pierre Virion -, discípulo do amor, contra a autoridade de Pedro. É a velha teoria Rosa-Cruz, que profetiza a igreja esotérica [iniciática] de João, superior à igreja exotérica [não iniciática] de Pedro, e cujos tempos apocalípticos parecem ter chegado. A Igreja Romana deve ceder-lhe o posto, deve desaparecer tal como é: ‘Abriu-se ... o ciclo de João’” (Mystère d’iniquité, p. 146).
 
Surge então a pergunta: que significa essa “igreja de João”, a igreja da terceira hora, a igreja da hora do Espírito Santo? A igreja de João já não é Deus em primeiro lugar, mas o homem; não a transcendência, mas a imanência; não a fé, mas o gosto sensível, o prodigioso, os carismas (democraticamente assegurados a todos, graças ao “batismo do Espírito”); não o dogma, mas a “revelação interior”, o subjetivismo, o profetismo, o iluminismo; não o sacramento instituído por Cristo, mas outra espécie de “sacramento” enxertado em uma corrente oculta (assim é o “batismo do Espírito”: uma paródia de sacramento com efusão da “graça diabólica” através de um rito herético); não a Eucaristia-Sacrifício (daqui vem a fúria contra o rito chamado de S. Pio V), mas a eucaristia-festa; não o sacerdócio ministerial, mas o caráter sacerdotal de todo fiel1; não a igreja hierárquica e carismática ao mesmo tempo, mas uma igreja meramente carismática; não o Papa, mas um sínodo paralisador; não os bispos, mas uma colegialidade sufocante; não os párocos, mas as assembléias presbiteriais; não a hierarquia oficial, mas as comissões, comitês, etc., etc., constitutivos de um governo paralelo; não a Igreja Católica Romana, mas uma igreja universal que inclui todos os cultos tributados a qualquer divindade. Em conclusão: o que René Guénon chamaria de “igreja integral”. E esta “igreja integral”, cujo objetivo é destruir por asfixia a igreja hierárquica tradicional, a igreja de Pedro, deve ser o fruto da vinda do Espírito (os Ranaghan diziam: do “retorno” do Espírito), porque é o “Pentecostes” deste “Espírito” que permitirá a João exercer seu “ministério de amor”!
 
Compreendemos agora porque em nossos dias fala-se tanto de amor: “Enganar-se-á o povo em nome do amor, de um amor que não é a caridade teologal, mas cujo nome usurpa. Assim, nunca tínhamos lido tanto nas publicações maçônicas a frase: ‘Amai-vos uns aos outros’. Mas é sempre empregada, em nome de Cristo, contra sua Igreja” (Mystère d’Iniquité, cit., p. 146).
 
Que fazer?
 
Que fazer diante desta cegueira causada pela invasão carismática, caricatura diabólica do Sacramento da Confirmação, chamada de “batismo” com razão, porque marca a passagem do mundo católico ao mundo oculto? São João da Cruz dizia: “[Uma vez cegada a alma] poder-se-á enganar quanto à quantidade ou qualidade, pensando que o que é pouco é muito, e o que é muito, pouco; e quanto à qualidade, considerando o que está em sua imaginação como uma coisa, quando não é senão outra coisa, trocando, como diz Isaías, as trevas pela luz e a luz por trevas, e o amargo por doce e o doce por amargo (5, 20)” (Subida do Monte Carmelo, L. 3, cap. 8).
 
Hoje, mais do que nunca, é necessário insistir no que constitui a verdadeira vida de fé. Continuemos ouvindo S. João da Cruz: “ (...) e assim, estando a alma vestida de fé, o demônio não a perturba, porque com a fé ela está muito amparada – mais do que com todas as demais virtudes – contra o demônio, que é o mais forte e astuto inimigo.
 
Por isso S. Pedro não encontrou maior amparo do que a fé para livrar-se do demônio quando disse: Cui resistite fortes in fide2 (I Petr 5, 9). E para conseguir a graça e a união com o amado, a alma não pode ter melhor túnica e vestimenta interior, como fundamento e princípio das demais virtudes, que esta brancura da fé, porque sem ela, como diz o Apóstolo, é impossível agradar a Deus (Hebr 11, 6), e com ela é impossível também deixar de agradar, pois Ele mesmo diz pelo profeta Oséias: Desponsabo te mihi in fide (Os 2, 20), que quer dizer: “Se queres, alma, unir-se a mim e me desposar, deverás vir interiormente vestida de fé” (Noite passiva do espírito, cap. 21).
 
Recorramos à Santíssima Virgem para que esmague a cabeça daquele que se faz passar pelo Espírito Santo e quer fazer-se adorado em seu lugar. Recitemos por isso o Santo Rosário com todo o ardor de nossa fé, inimiga da “sensibilidade carismática”.
 
PS: Em nossa edição portuguesa, fizemos um resumo do texto original, modificando também um pouco a ordem do mesmo e alguns títulos e fazendo alguns pequenos acréscimos.